A ILEGALIDADE DA GRAVAÇÃO CONTRA O PRESIDENTE TEMER

DANILO DE FREITAS é advogado, sócio do escritório Freitas e Advogados, Presidente do Instituto Goiano de Direito Eleitoral (IGDEL) e membro fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP).

Após passar horas pensando na cratera aberta na política nacional causada com a gravação realizada por Joesley, um dos donos da JBS, com o Presidente da República, experimentei, como cidadão brasileiro, ao ver e ouvir imagens e falas, uma profunda decepção com a política praticada.

Mas como advogado, passei a refletir e me abstraindo das questões políticas e suas consequências, analisei os fatos sem a paixão causada com o impacto do que foi divulgado, chegando a conclusão de que, excluindo da análise o mérito do seu conteúdo, a gravação não é uma prova válida de crime, seja de responsabilidade ou não, por parte do Presidente.

Vamos aos fatos: 1) Segundo a Folha Digital, Joesley, investigado pela Polícia Federal na Operação Greenfield, pediu a Francisco de Assis, Diretor-Jurídico da JBS, que iniciasse tratativas para uma colaboração premiada buscando abrandar ou afastar punições em virtude da referida investigação; 2) o Diretor-Jurídico da JBS então entra em contato no dia 19 de fevereiro com o Procurador Anselmo Lopes e no dia seguinte se reúnem com a Delegada Rubia Pinheiro para uma “aula de delação”, em que foi explicado a Joesley da necessidade de obtenção de provas; 3) Duas semanas depois, Joesley procurou o Presidente Temer na sua residência, e no interior desta, sem o conhecimento e consentimento deste, faz uma gravação da conversa tida por ambos, induzindo o Presidente, premeditadamente, de forma engenhosa, a confirmar ou fazer comentários sobre crimes supostamente cometidos pelo interpelante Joesley, tais como obstrução da justiça, corrupção etc.; 4) após fazer a gravação com o Presidente, o dono da JBS procura o Ministério Público Federal e entrega a mídia ao Procurador que o investigava na Operação Greenfield e confessa ter gravado o Presidente para ter um elemento importante e conseguir que sua delação premiada fosse aceita; 5) A Procuradoria aceita a delação e a encaminha ao Supremo, que por decisão unilateral do Ministro Edson Fachin homologa a delação e autoriza a abertura de Inquérito para investigar o Presidente entendendo que a gravação seria legal com o seguinte argumento: “Convém registrar, por pertinência à questão aqui apreciada, que a Corte Suprema, no âmbito da Repercussão Geral, deliberou que ‘é lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro’”, escreveu o Ministro Fachin, acrescentando: “Desse modo, não há ilegalidade na consideração das 4 (quatro) gravações efetuadas pelo possível colaborador Joesley Batista, as quais foram ratificadas e elucidadas em depoimento prestado perante o Ministério Público (registrado em vídeo e por escrito), quando o referido interessado se fez, inclusive, acompanhado de seu defensor”.

Com todo respeito ao Ministro Fachin, a Suprema Corte não reconhece como lícita a gravação ambiental quando realizada de acordo com a moldura fática do caso envolvendo o inescrupuloso confesso Joesley e o Presidente Temer.

Como afirmou Joesley, a gravação foi produzida exclusivamente movido pelo seu interesse em fazer um “flagrante” do Presidente, provocando-o, de forma artificiosa, numa verdadeira armadilha maquinada para que cedesse a tentação da conversa, então amistosa, e acabasse cometendo um delito, o que a doutrina chama de “flagrante preparado” e o STF de forma prodigiosa definiu como ilícito, diferentemente do flagrante esperado”. Portanto, seja pelo conjunto de circunstâncias previamente preparadas que eliminam a possibilidade de produção de um resultado diverso, seja em razão da existência de um provocador que busca produzir prova contrária de quem foi gravado, nula é essa prova.

Conforme estabelecido na Constituição Federal, a proteção à privacidade, como direito fundamental, é a regra a ser seguida, que pode ser excetuada em algumas situações, dentre elas, conforme disse o Ministro Fachin, quando ocorrer uma gravação ambiental, ainda que realizada por um interlocutor sem conhecimento do outro. Entretanto, esse não foi a hipótese ! A maioria do STF, contrariando o Ministro Fachin, entende que não é toda gravação ambiental que permite excetuar a regra, é preciso que o ambiente onde se deu a gravação seja público, não no sentido de patrimônio, mas no de acesso, ou seja, deve ser aberto ao público sem controle ou restrição, o que não é o caso da residência do Presidente, ainda que o imóvel pertença ao Poder Público. Outra exceção ocorre, até mesmo se o ambiente for privado ao público, quando a gravação tiver sido autorizada judicialmente, que não foi a hipótese, porque o próprio Ministro Fachin reconhece que somente depois do Presidente ter sido gravado é que a Procuradoria e a Justiça tomaram conhecimento da gravação. Por fim, também excetua a regra, a hipótese de estar em jogo relevantes interesses e direitos do interceptor como vítima, por exemplo, nos crimes de extorsão, em que o mesmo faz a gravação para se defender. No caso, Joesley não estava se defendendo de nenhum crime praticado pelo Presidente contra ele, na verdade o dono da JBS, conforme ele próprio confessou, buscava elementos de barganha para obter um benefício judicial.

Assim, concluo, sem a pretensão de esgotar o tema, considerando a Constituição Federal que estabelece ser inadmissível a utilização de provas obtidas por meios ilícitos, entendo juridicamente que a gravação é nula, devendo o Inquérito aberto no STF contra o Presidente ser trancado e arquivado, porque tudo que se encontra nele como elemento de prova, em homenagem a teoria dos Frutos da Árvore Envenenada (“fruits of the poisonous tree”), incluindo as delações de Joesley e de diretores da JBS, é derivado da gravação nula. Caso contrário, seria permitir, utilizando-se das palavras de José Carlos Barbosa Moreira, que “a prova ilícita, expulsa pela porta, volte a entrar pela janela”.